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Quem Diria?

Por: Brunno Carvalho

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Aqui, você poderá ler sobre cultura, arte, tecnologia e educação. O diferencial aqui é a presença de algumas ideias fora da curva, que só Brunno diria.

Conheça as Ideias Fora do Lugar: As Ideias que não Condiziam com a Realidade do Brasil


Data: 26/01/2025 22:15

Como professor, tenho o dever de acreditar no poder da educação e em seu papel social de possibilitar formas com que o conhecimento se torne de fácil acesso e possível para todos aqueles que buscam conhecer. O conhecimento é algo que deve ser disseminado, para que todos possuam senso crítico e possibilidade de sucesso pessoal. Pensando nisso, decidi expor uma resenha elaborada por mim da obra de Roberto Schwarz, As Ideias Fora do Lugar, para aqueles que não tiveram contato com o autor ainda, o conheçam e possam refletir sobre seu ponto de vista sobre a realidade do Brasil.

 

Trazendo as ideias fora do lugar para um espaço de análise e compreensão

Roberto Schwarz nasceu na capital da Áustria, em Viena, em 1938 e junto de sua família mudou-se para o Brasil ainda criança. Iniciou seus estudos acadêmicos no Brasil, graduando-se em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo – USP. Realizou seu mestrado na Universidade de Yale nos Estados Unidos em Teoria Literária e Literatura Comparada no ano de 1963. Em 1976 concluiu seu doutorado em Estudos Latino-Americanos pela Universidade de Paris III. Foi professor de Teoria Literária pela USP (1963 – 1968) e pela Universidade Estadual de Campinas (1978 – 1992).

“As Ideias Fora do Lugar” é um ensaio escrito por Roberto Schwarz em 1973, quando o autor vivia em Paris, na França. Publicado no Brasil no ano de 1977, no livro: “Ao Vencedor as Batatas, Forma Literária e Processo Social nos Inícios do Romance Brasileiro”. O autor relaciona processo social e econômico com a forma artística literária presente no país para exemplificar as contradições que permeavam a sociedade brasileira ao buscar a realidade da Europa e seus princípios liberais no Brasil. Preceitos que não condiziam com a realidade dos brasileiros, pois os direitos comuns de homens e mulheres eram violados com a escravização de sua população.

Desta forma, Schwarz toma como base para sua crítica a análise de autores e obras brasileiras que buscavam retratar o Brasil no século XIX, apontando os problemas e a verossimilhança naquelas em que se propôs analisar. Schwarz utiliza a obra de Machado de Assis, a exemplo do que era o Brasil no século neste contexto. Em sua perspectiva, as narrativas criadas por Machado revelam as verdadeiras tensões sociais que faziam parte da sociedade brasileira, como a escravização que até então era naturalizada, escapando da ideologia liberal importada.  

É revelado por Schwarz a importância de os intelectuais produzirem uma obra contextualizada com o que é de fato vivido pela população brasileira, retratando a vida e os problemas presentes nela, uma vez que aquilo fabricado se torna parte da cultura nacional e deve ser pensado sob uma perspectiva crítica para ser analisado também criticamente. Neste sentindo, Ortiz (2006) faz uma análise crítica das teorias explicativas do Brasil no século XIX e XX, alegando que são falhas e implausíveis. Os percursores das ciências sociais no país, como Nina Rodrigues, Silvio Romero e Euclides da Cunha, pensam a questão racial por uma ótica racista, reverberando preconceitos e os dando status de ciência.

Estes autores afirmavam que a existência de diferentes raças no Brasil explicaria diferenças intelectuais e culturais dos povos, justificando a divisão das classes econômicas no país, como se houvesse uma raça ou povo mais evoluído e predestinado a se sobressair melhor na vida em sociedade do que outro. Essa visão eurocêntrica hierarquizava as raças como tentativa de justificar uma dominação. São introduzidos também na discussão os autores José de Alencar e Gonçalves Dias, que portam uma visão romantizada e liberal do Brasil em suas obras. Ortiz concorda, nesta ocasião, com Schwarz, quando é apresentado José de Alencar como um autor de visão descontextualizada do Brasil, que romantizava os povos indígenas assim como fez os primeiros colonizadores portugueses, ao tratar o indígena como exótico. Notamos aqui um olhar criado aos moldes europeus.

Ainda em clima de análise, Schwarz tece um elogio para Machado de Assis e Nabuco, indagando que, por meio de sua arte, é possível refletir sobre a sociedade brasileira escravista, utilizando seu trabalho como forma de denúncia da realidade do Brasil. Não tem como haver a aplicação das ideias liberais se os direitos individuais do homem não são respeitados e o trabalho forçado impolítico que é a escravização é considerado.

A realidade do Brasil está exposta no conto Missa do Galo, presente no livro “Contos Consagrados” do autor Machado de Assis, publicado em sua primeira edição em 1899 no livro Páginas Recolhidas. Podemos encontrar a narrativa de uma paixão proibida de um jovem de dezessete anos chamado Nogueira, terrivelmente apaixonado por uma mulher casada, de trinta anos, de nome Conceição. O casamento de Conceição não anda bem, visto que seu marido a trai constantemente e não esconde os feitos. Para além da análise das características de infidelidade, traço que aborda certo realismo presente na sociedade do século XIX, a obra de Machado de Assis apresenta uma elite brasileira sem esconder sua depravação, o que pode ser percebido no trecho: “A família era pequena, o escrivão, a mulher, a sogra e duas escravas” Assis (2014, p. 71), apresentado naturalmente duas mulheres escravizadas compondo a família de um escrivão no Rio de Janeiro.

Este fato é discutido em Telles (2012) ao apresentar as mulheres negras libertas e escravizadas que ainda viviam no sistema da escravização na transição do trabalho escravo para o livre, no estado de São Paulo, e moravam junto das famílias no qual exerciam seu trabalho, estas mulheres executavam funções na cozinha, lavagem, costura, limpeza e até aleitamento de crianças como mães de leite. As contradições que se encontravam na sociedade brasileira estavam representadas na própria Constituição de 1824, que apresenta a escravização e, ao mesmo tempo, tentava privilegiar os direitos individuais do homem por meio da ideia liberal. Tratando a libertação de pessoas escravizadas como pauta de interesse parcial da sociedade, e aqueles que eram libertos não eram assegurados pela lei, sem qualquer garantia para sua inserção no trabalho, dependendo do favor (Jus Brasil, 2020; Schwarz 1992).

Schwarz enfatiza que tudo isso não passa de uma comédia ideológica, pois tudo que consumimos, fazemos e temos, vem com influência da Europa, nada é totalmente exclusivo do Brasil. Se busca sempre importar algo, criando uma ideia de progresso, mas na realidade a vida dos trabalhadores permanecia difícil.  Este fato de importação de ideologias não é explicado por ignorância ou pela incapacidade de criar, mas sua resposta estando na colonização em que o país se construiu da periferia do capitalismo. Podemos destacar os principais conceitos de seu texto: escravidão, liberalismo, produção do trabalho, latifundiário, homem livre e o favor. O autor traz esses conceitos como forma de caracterizar esse Brasil cheio de controvérsias em sua estrutura econômica e social. Em que escravidão e liberalismo não se relacionam como o próprio autor nos indica na citação: “um dos princípios da economia política é o trabalho livre” (Schwarz, 1992, p. 1). Se há escravidão não tem como ser liberal.

Problemática que se estende afetando no trabalho de homens e mulheres livres que dependiam do favor do latifundiário, característica conceituada por Leal (2012) como clientelismo, uma prática que se encontra dentro do sistema do coronelismo e as partes nesse processo se beneficiam, uma com a mão de obra barata e a outra com a falsa bondade do coronel.

Ainda de acordo Leal (2012), o coronelismo se trata de uma forma de manifestação do poder privado dos coronéis, que mantém uma relação de troca de favores com o poder público, que por vezes pode ser encontrado nas mãos de políticos que necessitam da influência social desses latifundiários sobre os municípios. O autor concorda com a ideia de Carvalho (1997) que identifica a relação do latifundiário com o poder público e com o trabalho livre dentro desse sistema de coronelismo. É fatídico que essas ideias complementam a de Schwarz, apresentando que nem o homem livre e nem o escravizado possuem assistência e preparo para o trabalho. O trabalhador não possui preparo técnico especializado para aperfeiçoamento de sua mão de obra, atributo proposital para que assim permaneçam nesta dependência do favor e da servidão ao patrão, conservando-se assim a desigualdade.

As ideias tragas por Roberto Schwarz são essenciais para que compreendamos a estrutura social do Brasil no século XIX, em que a escravização de pessoas negras se fazia presente e as que conseguiam sua liberdade, ainda se encontravam sujeitas a diversos problemas da estrutura social e política do Brasil. De fato, as ideias se encontravam fora do lugar em um país que pregava as ideologias europeias na arte, na literatura, nas ciências sociais, na economia e até mesmo na religião, ainda que elas não refletissem a realidade do Brasil, marcado pela desigualdade social tão escancarada aos olhos de todos.

As desigualdades ainda presentes em nosso cenário atual, quando há uma crescente violência e marginalização contra pessoas negras. Um racismo estrutural sendo noticiado constantemente nos jornais caracterizado por violências policiais com a morte de pessoas em periferias. Os próprios ritmos produzidos nesses espaços, como o funk, sofrendo marginalização, fruto de uma visão conservadora eurocêntrica do que é politicamente correto.

O texto de Schwarz é importante por trazer conceitos centrais e bem discutidos com perspicácia, como a contradição entre o liberalismo e a escravidão, a relação do latifundiário com o favor e com o trabalho livre, utilizando manifestações literárias como exemplo de retratação da construção de uma imagem do Brasil que, para o autor, está cheio de contradições. Essa análise possível fruto de uma pesquisa atenta as particularidades dos grupos estudados e da estrutura econômica brasileira.

O ensaio é de relevância acadêmica e social, por trazer reflexão ao abordar um país marcado pelo racismo e pela desigualdade, com a violência que estava também dentro dos espaços de produção da ciência, quando intelectuais colonizados buscando uma cultura nacional reafirmando e construindo novos preconceitos. Assim, Schwarz tece críticas à essa tentativa descabida de tentar se assemelhar aos europeus. A obra de Schwarz é uma leitura importante para se refletir sobre cultura, literatura e sobre a formação do Brasil, ainda que para estudá-la seja necessário um conhecimento inicial sobre os conceitos e sobre os autores utilizados em sua escrita, visto que o autor escreve com uma linguagem acadêmica, dificultando a leitura e compreensão de sua obra para comunidade em geral.

Referências:

SCHWARZ, Roberto. As ideias fora do lugar. São Paulo, SP, Editora Duas Cidades, 1992. 16p.

ASSIS, Machado. Contos Consagrados. Biografia Proença, M. Cavalcanti; Proença, Ivan Cavalcanti; Rio de Janeiro – RJ, 3ª Ed. Nova Fronteira, 2014.

CARVALHO, José Murilo de. Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão conceitual. Dados, v. 40, n. 2, 1997.

DA SILVA TELLES, Lorena Féres. Libertas entre sobrados: mulheres negras e trabalho doméstico em São Paulo (1880-1920). Alameda Casa Editorial, 2024.

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. Editora Companhia das Letras, 2012.

MARTINS, Elaiza Sthefany de Araújo; FRANÇA, Lays da Silva; CAVALCANTE, Rafisa de Jesus Martins; SOUSA, Tuanny Soeiro. Estatuto Jurídico da Escravidão no Brasil Império. JusBrasil, [S.l.], 2020.

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/estatuto-juridico-da-escravidao-no-brasil imperio/1129254609#:~:text=A%20Constitui%C3%A7%C3%A3o%20de%201824%20n%C3%A3o,de%20usufruir%20de%20sua%20cidadania. Acesso em: 27 maio 2024.

ORTIZ, Renato. Memória Coletiva e Sincretismo Científico: as teorias raciais do século XIX In: Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 5ª Ed., 9ª reimpressão 2006. p.13-35.

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