Quem Diria?
Data: 23/01/2025 14:18
A interdisciplinaridade é um grande desafio para professores, pesquisadores e profissionais das mais diversas áreas. Aplicar a interdisciplinaridade é um obstáculo para os profissionais de diferentes campos do conhecimento, por estarem inseridos em uma estrutura social em que o conhecimento é subdividido em disciplinas, que faz parte de uma cultura institucional acadêmica, eurocêntrica e cristalizada, que dificulta a efetivação do processo interdisciplinar. Tal problema se dá pelo fato de a realidade das escolas e universidades globais não estarem inteiradas no debate da interdisciplinaridade como deveriam ou gostariam de estar, tecendo discussões rasas sobre a interdisciplinaridade, a desenvolvendo apenas como certa interação limitada entre dois conhecimentos e não como um processo integrado e dinâmico entre os saberes. A interdisciplinaridade tem a função de criar novos entendimentos, interpretações e compreender o que não se pode ser compreendido por apenas um campo de conhecimento, trazendo respostas para problemas complexos.
Tomemos como exemplo uma situação hipotética em que um professor de matemática, se sentindo interdisciplinar, cita certo fato histórico dentro de sua aula, como a invenção do plano cartesiano criado por René Descartes. O professor identifica que o teórico conseguiu unir a álgebra com a geometria, mas sem aprofundamento sobre isso, com uma ausência de significado quanto a relevância histórica deste fato e sua utilização dentro do ensino de matemática, impossibilitando uma contextualização da importância daquele conhecimento para a ciência e o porquê dele estar sendo ensinado. Nesse sentido, há uma falha em trazer um diálogo entre áreas do conhecimento, sendo necessário flexibilizar o currículo para criar novas metodologias que trabalhe de forma que beneficie uma aprendizagem significativa do conteúdo, desenvolvendo possibilidades para que a interdisciplinaridade de fato ocorra. Percebemos nessa situação problemas ao buscar exercer um espírito interdisciplinar, pois ao se trabalhar a união dos saberes, antemão tem de refletir sobre eles, tanto no ensino quanto na pesquisa, buscando preparo por meio de leituras e metodologias que beneficiem as áreas.
Jupiassu (2006), aponta que a interdisciplinaridade não é apenas a combinação de disciplinas, mas um processo de integração de perspectivas, métodos e de abordagens que beneficia o conhecimento, seja na sua disseminação no espaço escolar e na sociedade, ou na solidão do pesquisador ao produzi-lo em seus lares e espaços de reflexão. Jupiassu (2006) afirma ainda que em nosso tempo há mais que uma urgência por uma reforma da educação, que coloque o espírito interdisciplinar dentro do ensino, da pesquisa e da formação acadêmica, o que ainda se trata de um problema na formação das mais diversas áreas, este pensamento vai de encontro com Fazenda et. al (2016), que desenvolve com maestria reflexões cientificas acerca da perspectiva interdisciplinar, enfatizando que é por meio dela que poderemos lidar com o enfretamento de problemas complexos que venham ao surgir com a pesquisa, e que formar pesquisadores interdisciplinares que saibam lidar com estes problemas merece atenção prioritária.
Dentro de um objeto de pesquisa, ao olhar de forma interdisciplinar, podemos encontrar especificidades de diversas áreas do conhecimento, que servirão para estudo e análise e compactuarão com a realização de um trabalho. Como exemplo da necessidade de se utilizar a interdisciplinaridade em uma pesquisa, trago meu objeto de pesquisa: Manoel Bernardino de Oliveira, também conhecido por Lenin do Sertão. Ao se estudar sua história, a interdisciplinaridade deve ser colocada como prática fundamental para se entender questões culturais e econômicas relacionadas a ele e ao povoado da Mata do Nascimento, no qual residia, que hoje corresponde ao município de Dom Pedro no Maranhão. Buscando apoio na antropologia e na sociologia, podemos entender a relação cultural existente entre os lavradores durante o início do século XX e suas práticas econômicas e de sobrevivência ligadas à terra.
Além da utilização das metodologias presentes no campo da história, faz-se eficiente desenvolver um diálogo com a geografia, que, por meio do seu diálogo com a história, nos permite compreender as relações sociais que estão ligadas a questões como delimitação de fronteira, espaço geográfico, assentamento e migração. Olhamos para estes conceitos e percebemos forte ligação com todas as áreas das ciências humanas, tão qual como a sociologia. Buscamos amparo também na biologia para entender sua relação com o veganismo, aspectos culturais que fazem parte da vida de Manoel Bernardino, em contraste com uma cultura vivenciada nos sertões maranhenses, que se baseia em uma filosofia de vida com hábitos considerados saudáveis ao corpo e ao espírito, fundamentada em sua fé espírita.
Ao se observar estas especificidades, nos damos conta de que todas estas particularidades fazem parte de um único objeto de pesquisa, que é o Lenin do Sertão. Ao ser estudado e pesquisado sobre sua atuação, transcendemos os limites das disciplinas tradicionais, desenvolvendo um estudo mais abrangente e integrado. Assim como os autores Jupiassu e Fazenda et al. argumentam, essa relação é mais que interdisciplinar; é transdisciplinar e tende a favorecer o pesquisador e seu trabalho, enriquecendo o processo de pesquisa ao buscar respostas em outros campos do conhecimento que não podem ser encontradas em sua totalidade na área de formação do pesquisador. Um pesquisador preparado para tais problemas consegue lidar com esse conhecimento fragmentado, buscando uni-lo ao compreender que estas partes são pedaços de um todo maior: a história de uma sociedade, seus traços de resistência e suas práticas sociais que estão presentes na cultura. O pesquisador interdisciplinar deve lutar contra a fragmentação, pois o excesso de divisões prejudica o desenvolvimento de suas pesquisas. O conhecimento só pode ser construído com destreza quando tem significado e interage com outros saberes que fazem parte de um mesmo interesse objetal.
Desta forma, percebemos a necessidade da aplicação da interdisciplinaridade no currículo escolar; assim, teremos soluções mais eficazes para os problemas encontrados durante a pesquisa. Esta preocupação não é de hoje: desde a década de 1970, o Brasil vem buscando formar pesquisadores interdisciplinares, embora esta prática ainda não tenha alcançado sua aplicabilidade como almeja, que seria a de causar grandes transformações no espaço escolar e dentro das universidades, formando um grande número de professores e pesquisadores interdisciplinares.
É grandioso quando se pensa na possibilidade de formar pesquisadores interdisciplinares, prática adquirida com o desenvolvimento dos cursos de mestrado e doutorado interdisciplinares, que começam a receber atenção e ganhar espaço no cenário brasileiro. Embora este debate seja necessário de ser pensado e aplicado desde o ensino básico, no qual o conhecimento chega fragmentado, acarretando dificuldades à aprendizagem dos estudantes. Como propunha a LDB de 1970, conseguimos andar pequenos passos desde o incentivo feito pela Organização Nacional para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que propôs instaurar uma perspectiva interdisciplinar para a ciência, no qual estimula diálogos entre áreas do conhecimento, construindo saberes em união por meio do diálogo com pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, realizando os primeiros pensamentos sobre interdisciplinaridade no país. (Fazenda; José; Santos, 2016).
Tenho orgulho de dizer que faço parte de um mestrado interdisciplinar, que me possibilita traçar um olhar abrangente sobre conhecimentos que se encontram separados como um quebra-cabeça, me dando oportunidade de realizar esta união, desenvolvendo reflexões sobre sociedade e também sobre cultura em uma espécie de quebra cabeça de muitas peças. Vale considerar que nessa montagem não estamos sozinhos. Como Fazenda (2016) ressalta a interdisciplinaridade na academia acontece em dois momentos, o momento da parceria e o da solidão, nos fazendo compreender que o pesquisador se torna um cientista interdisciplinar quando compreende o significado de parceria e de solidão na pesquisa e consegue praticá-lo em cada momento, seja na redação de seu texto ou no ato de pesquisar. Para Fazenda a visão de parceria é entendida pelo ato de socializar seus temas de pesquisa com seus colegas e professores, seja nos grupos de pesquisa, ou mesmo em sala de aula, adquirindo novos saberes, essenciais para o trabalho do pesquisador. Por meio da parceria entre os colegas pesquisadores é que se pode conhecer novas fontes e novos autores que contribuirá com a fruição do desenvolvimento de cada objeto. Eu traria um incremento pessoal para a visão de Fazenda, onde esta parceria pode se estender também ao ato de enviar mensagem para um amigo pesquisador no WhatsApp, assim como faço constantemente com Giselle Cruz, retirando dúvidas e pedindo sugestões, que rapidamente são respondidas com doçura e muita criticidade.
As orientações, sugestões e discussões abrem portas para novos saberes adquiridos pela interdisciplinaridade, que não se limita ao conceito de disciplina, mas de se pesquisar de diversas formas não convencionais, como a de se aliar a outros exploradores e construtores do conhecimento que buscam novas descobertas. O processo de investigar unido a outros pesquisadores é formado por aspectos fundamentais, como a socialização de ideias, que deve se estar preparado a ouvir o outro, sabendo lidar com as opiniões e críticas sobre os objetos de pesquisa, buscando extrair o que há de melhor de cada discussão, contextualizando a sua escrita no segundo momento em que se põe em prática a interdisciplinaridade que aqui discutimos, o momento da solidão.
O conhecimento se constrói em união, por meio do diálogo com pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, com visões que muito podem contribuir com a pesquisa, não apenas ligado a bibliografias, mas também com o contato humano. Conquanto, a solidão ainda assim sendo necessária, é com ela que entendemos a importância de se valorizar todos os momentos do processo, pois a socialização em grupo influencia neste momento de reflexão e de escrita, concordando com Fazenda; José; Santos (2016), este se trata do momento solo de isolamento em que o pesquisador para desenvolver seus pensamentos se isola em seus cantos de estudo se encontrem sozinhos consigo em reflexão.
Jupiassu e Fazenda convergem na defesa da interdisciplinaridade como uma abordagem científica e metodológica para se construir o conhecimento, enfrentando entraves existentes em nossa sociedade contemporânea, talvez por suas práticas fortemente ligadas a um conhecimento eurocêntrico que pode ser atribuído a Modernidade/Colonialidade, conceito apresentado por Mignolo que se refere a presença das lógicas coloniais entre os saberes, o que dificulta a presença da interdisciplinaridade nos meios escolares e acadêmicos.
Enquanto Japiassu focaliza na importância dessa abordagem interdisciplinar na pesquisa, Fazenda et al. focam na importância de formar cientistas capazes de trabalhar de forma interdisciplinar, desde o momento que ingressam na academia ao prosseguimento de seus estudos, dando significados e respondendo questões que uma única área do conhecimento não consegue responder. Ressaltando a carência de promover uma cultura acadêmica que destaca a interdisciplinaridade como um fator importante para a disseminação e produção do conhecimento realizado por meio da pesquisa. Eu estou me tornando um pesquisador interdisciplinar junto a outros que encontram nesta tarefa uma forma de criar e levar conhecimento para outros, sempre muito grato aos que começaram antes de mim e ao meu curso de Mestrado em Sociedade e Cultura da UESPI.
Referências:
FAZENDA, Ivani Catarina Arantes; JOSÉ, Mariana Aranha Moreira; SANTOS, Carlos Alberto Moreira dos. Formar Pesquisadores Interdisciplinares Form Reserchears Interdisciplinary. Revista Ciências Humanas, 2016.
JUPIASSU, Hilton. O espírito interdisciplinar. Cadernos Ebape. BR, v. 4, p. 01-09, 2006.
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