O Realismo Mágico como forma de valorização da cultura popular no livro A Cabeça do Santo

O Realismo Mágico é uma vertente literária em que elementos reais e fantásticos se misturam sem causar espanto. Nela, o cotidiano e o absurdo convivem em harmonia. Na América Latina, o principal representante dessa corrente foi o escritor Gabriel García Márquez, em quem Socorro Acioli, autora de A Cabeça do Santo, buscou inspiração. O Realismo Mágico surgiu como uma forma de refletir a cultura e a história de determinados lugares. No Brasil, essa vertente tem influências da literatura modernista e da tradição popular.

Segundo o escritor Antonio Candido, a literatura exerce uma função social, pois trata de temas como política, economia e ideologia. Assim, compreender literatura também é uma maneira de entender o mundo ao redor do texto. Com base nesse ponto de vista, o livro A Cabeça do Santo, ao apresentar características do Realismo Mágico, contribui para a valorização da cultura popular, especialmente suas crenças e costumes.

Ao incorporar elementos sobrenaturais em situações cotidianas, o livro transforma o sertão nordestino, mais precisamente a cidade fictícia de Candeia, no Ceará, em um espaço onde o sagrado e o profano coexistem. Samuel, o protagonista, passa a viver dentro da cabeça gigante de uma estátua de Santo Antônio e, de forma misteriosa, começa a ouvir vozes de mulheres rezando para ele. No entanto, ao contrário do que se poderia esperar, nem ele nem os moradores da cidade se assustam com isso. Pelo contrário, com o tempo, Samuel se torna uma espécie de celebridade local. Dessa forma, a obra reafirma a fé popular no santo casamenteiro, que havia sido esquecida pela população.

Outro aspecto importante do Realismo Mágico presente na obra é o fato de a mãe de Samuel, assim como todas as mulheres da família, saber exatamente o dia da própria morte. Essa previsão é aceita com naturalidade e sem questionamentos, o que reforça a tradição popular de interpretar "sinais", muito comum no imaginário do interior. Assim, Socorro Acioli valoriza os saberes populares.

Além disso, uma figura central na história é a avó de Samuel, que sabia de tudo o que aconteceria com ele, como se tivesse um conhecimento especial sobre a vida. Isso remete à figura dos mais velhos no interior, que muitas vezes parecem ter uma sabedoria misteriosa sobre o destino das pessoas. Ao final da narrativa, revela-se que a avó já estava morta e permanecia mumificada em sua cama. Mesmo assim, Samuel conversava com ela, sem achar aquilo estranho, encarando o acontecimento com naturalidade, evidenciando mais uma marca do Realismo Mágico.

De forma inexplicável, o protagonista, além de ouvir as preces, também começa a realizar milagres, ainda que de maneira involuntária, ao ajudar as mulheres da cidade a conseguirem casamento. Assim, Socorro Acioli, ao recorrer ao Realismo Mágico em A Cabeça do Santo, não apenas homenageia autores como Gabriel García Márquez, mas também dá voz à cultura popular nordestina, valorizando suas crenças, tradições e modos de ver o mundo.