Boa noite, 18 de abril de 2024
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Coluna Eletrônica - Mídias Que Matam; por Thyago Myron

Publicado em: 30/11/-0001 12:00

AVISO:  Este texto causa sensações ao ser lido ao som de “Desconstrução”. 

Quando se viu pela primeira vez
Na tela escura de seu celular
Saiu de cena pra poder entrar
E aliviar a sua timidez
Vestiu um ego que não satisfez
Dramatizou o view da rotina
Como fosse dadiva divina
Queria só um pouco de atenção
Mas encontrou a própria solidão
Ela era só uma menina

Abrir os olhos não lhe satisfez
Entrou no escuro de seu celular
Correu pro espelho pra se maquiar
Pintou de dor a sua palidez
E confiou sua primeira vez
No rastro de um pai que não via
Nem a própria mãe compreendia
O passo tempo de prazeres vãos
Viu toda graça escapar das mãos
E voltou pra casa tão vazia

Amanheceu tão logo se desfez
Se abriu os olhos de um celular
Aliviou a tela ao entrar
Tirou de cena toda timidez
Alimentou as redes de nudez
Fantasiou o brio da rotina
Fez de sua pele sua sina
Se estilhaçou em cacos virtuais
Nas aparências todos tão iguais
Singularidades em ruinas

Entrou no escuro de sua palidez
Estilhaçou seu corpo celular
Saiu de cena pra se aliviar
Vestiu o drama uma última vez
Se liquidou em sua liquidez
Viralizou no cio da ruina
Ela era só uma menina
Ninguém notou a sua depressão
Seguiu o bando a deslizar a mão
Para assegurar uma curtida.

Fonte: Cena do videoclipe de “Reconstrução”

A cada verso da música “Desconstrução”, Tiago Iorc nos mostra a história de uma menina, como ele mesmo a chama, que buscava nas redes sociais ser validada pelo outro. A construção da sua imagem no mundo virtual vestia um eu para agradar o outro que o retribua com curtidas e views, porém, a cada entrada na tela do celular, a moça se afundava em sua depressão enquanto “fantasiou o brio da rotina”. E no fim, acabou vestindo pela última vez a sua personagem, e assim, saindo de cena.

Na música Desconstrução, Iorc escancara para gente os desdobramentos conturbados da conexão da nossa própria vida com as redes sociais, que acabou transformando o viver em um verdadeiro espetáculo. Guy Debord, o autor da obra “Sociedade do Espetáculo”, considera que o estilo de vida da sociedade contemporânea está cada vez mais espetaculosa e as pessoas viraram meros cidadãos cinematográficos, que preferem a aparência ao ser, a ilusão à realidade, o falso ao verdadeiro, e transformam relações mediatizadas em imagens com o único objetivo: o consumismo.

A canção faz um alerta para um problema muito sério da era da contemporaneidade: a solidão ampliada nas redes maquiada com imagens e vídeos felizes para aliviar a dor.

Você lembra do caso da blogueira que se casou consigo mesma e depois de ataque na internet se matou? Pois bem, antes de cometer o ato suicida ela era “só uma menina que ninguém notou a sua depressão, seguiu o bando a deslizar a mão para assegurar uma curtida.”

A música retrata uma realidade bem triste que enfrentamos, isso porquê, dados de uma pesquisa publicados pelo Jornal de Clínica Social de Psicologia, em 2018, revelam que o uso contínuo de redes sociais aumentam os níveis de depressão, medo, ansiedade, perda e solidão entre os jovens, principais usuários dessas plataformas digitais. Ainda de acordo com os dados, diminuir o uso constante das redes sociais reduz consideravelmente a depressão e solidão.

"É um pouco irônico dizer que reduzir o uso de mídia social faz você se sentir menos solitário. As publicações existentes sobre redes sociais sugerem que há uma enorme quantidade de comparação. Quando você olha para a vida de outras pessoas, particularmente no Instagram, é fácil concluir que a vida de todos é mais legal ou melhor que a sua”, ressalta Melissa G. Hunt, líder da pesquisa.

Conversando com a estudante Maria Eduarda, usamos um nome fictício a pedido da mesma, notamos em sua fala um outro fator das redes sociais: a sensação de exclusão. “Normalmente vejo as pessoas com as ‘vidas boas’, meus amigos se divertindo e chego a me sentir excluída e logo penso que não faço parte daquele grupo, que não faço falta na vida deles e muitas vezes chego a me afastar por coisas que crio na cabeça a partir do que eu vejo”.

Maria acrescenta como acaba lidando com essa situação: “o que tenho feito é me afastar do uso das redes (principalmente Twitter e Instagram) ou silenciando aqueles que acabam me afetando de alguma forma”.

Para o sociólogo Zygmunt Bauman, vivemos em uma sociedade cada vez mais líquida, ou seja, as coisas acabam se escorrendo pelas mãos assim como uma água desliza pelas nossas mãos. Em “Sociedade Líquida” e “Amores Líquidos”, o autor aponta que, na era da Internet e dos aplicativos de relacionamentos, os laços humanos estão cada vez mais efêmeros e inseguros, perdendo a sua essência humana. A fluidez dos tempos modernos está relacionada a cultura do consumo, que mudou a nossa forma de se relacionar. Para ele, os modos de mercado servem de modelo para as relações entre as pessoas, a partir do momento que não satisfaz as nossas necessidades, a descartamos. Diante disso, construir relações duradouras é um ato político.

“Desconstrução” também faz referências ao universo de “Black Mirror”. A série – produzida pela Netflix – retrata um mero reflexo da nossa relação nada boa com as redes sociais, que nos transformam em escravos da ideologia do consumo, juízes virtuais, e apáticos espectadores. Quando o físico e o virtual se confundem, estamos a cada clique de perder a nossa própria personalidade e a sanidade, e isso sim, é a nossa pior desconstrução. E assim, deixando de abraçar a nossa própria loucura, o nosso verdadeiro eu, e criando sorrisos quase doentios na era das redes sociais, como nos mostra Coringa, filme homônimo lançado este ano.

Cena do filme Coringa (2019)

 

E encerro essa conversa entre você e eu aconselhando que escute a música “Sol que faltava”, também de Tiago Iorc. Na qual nos interpela:

 “Quando foi

  Quando foi a última vez que você

  Quis escutar?

  Silenciar?

  Onde foi o instante deixou

  Se fotografar?

  No teu olhar? ...”

 

 

Por: Thiago Henrique de Jesus Silva (Thyago Myron) - jornalista pelo Centro Universitário de Ciências e Tecnologia do Maranhão - UNIFACEMA

 


Fonte: Portal Destaque/ Direto da Redação


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